Não se trata de Aventura, de Glória ou de Fortuna. Trata-se simplesmente de viver, de «bem viver». Em vez do cansado pessimismo que tudo dificulta, o bom humor salutar que tudo facilita. A alegria, a saúde da alma, que maravilhosa aquisição para esta hora derrotista em que a fé tomba das almas como o fruto podre das ramadas! Viver não é mourejar de olhos no chão, é lutar de cabeça erguida. É preciso abandonar a atitude inferior, servil, que os nossos corpos tomaram, sacudir dos ombros o fardo aviltante do fatalismo, esse odioso lugar-comum. Não há fatalidade, há renúncia; não há impossibilidade, há descrença. [...] Se olharmos objectivamente a vida e a frio observarmos o que nos cerca, chegamos à conclusão de que, feitas as contas, não há efectivamente rosas sem espinhos mas na medida exacta em que não há espinhos sem rosas.
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... e, sobretudo, sobretudo! - não confundamos a Vida, a maravilhosa Vida, com a mesquinha, a ridícula, a miserável «vidinha».
Editorial Bem viver.
Bem Viver, Revista Mensal. Direcção, Fernanda de Castro. Ano I - N.º 1, A Casa, s/p. Lisboa, Janeiro de 1953.
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Viver não é caminhar para a Morte, é morrer pela Vida. Quem se habitua a andar de cabeça alta e olhos erguidos, não vê a lama que lhe suja os pés, vê apenas o céu que lhe purifica os olhos. A descrença, a renúncia, o pessimismo são as verdadeiras taras da nossa época, a autêntica infelicidade que atormenta os povos.
Fernanda de Castro, Onde Está a Felicidade?.
Bem Viver, Revista Mensal. Ano I - N.º 1, A Casa, s/p. Lisboa, Janeiro de 1953.
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Ninguém sabe quantas voltas
Uma bola dá no ar...
Também as voltas do mundo
Ninguém as pode contar.
Com esta caixa de tintas
Todos nós somos pintores.
A vida é negra? Que importa?
Vamos nós pintá-la a cores.
Fernanda de Castro, Brinquedos.
Bem Viver, Revista Mensal. Ano I - N.º 3, A Criança, p.24. Lisboa, Março de 1953.
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É um erro frequente da nossa época confundir civilização com progresso material. Sob muitos aspectos, civilização e progresso são incompatíveis, prejudicando-se e entravando-se mùtuamente. Só com uma diferença: os benefícios do progresso, na acepção de progresso material - benefícios que sem dúvida existem - são incomparàvelmente inferiores aos benefícios da verdadeira civilização, que nada tem que ver com aviões, ascensores, automóveis, auto-estradas, arranha-céus e outros monumentos semelhantes do engenho humano. [...]
A civilização tem na base o homem; a condição essencial do progresso é a máquina. É certo que a máquina é criação do homem. Mas ao passo que o homem constroi a máquina, a máquina destrói o homem. [...]
Todos se queixam da época, das circunstâncias, da crise, das dificuldades crescentes da vida, e, paradoxalmente, todos continuam a criar necessidades que são falsas necessidades, todos pretendem elevar o nível de vida sem reparar que o baixam, ou antes, que o rebaixam com essa corrida aos bens materiais, aos requintes do conforto moderno que - ver-se-á dentro se alguns anos ou de alguns séculos - é talvez a verdadeira razão da crise-síntese de todas as crises que afectam o género humano. [...]
... como acima já disse, progresso e civilização são muitas vezes antagónicos ou pelo menos contraditórios.
O homem civilizado não é o que respira ar condicionado, não é o que se transporta em aviões ou automóveis aerodinâmicos, não é o que se alimenta de vitaminas, não é o que se cobre de matérias mais ou menos plásticas. O homem civilizado é o que se respeita e respeita o seu semelhante; o que não é capaz de ódio e perdoa as ofensas; o que não chasqueia a virtude; o que, sendo pobre, auxilia o mais pobre; o que, sendo rico, não inveja o mais rico; o que tem a possibilidade, enfim, de amar e de acreditar.
Fernanda de Castro, Civilização e Progresso.
Bem Viver, Revista Mensal. Ano I - N.º 5, É Assim a Nossa Gente, pp.44-45. Lisboa, 1953.