«viva e fecundante»
Novembro 02, 2023
Do mesmo modo se sabe que uma obra é mais rica, e por isso mais perdurável, se deu lugar a múltiplas interpretações, se conheceu o apoio fervoroso ao lado da dura contestação, se foi incómoda para si própria ainda que orgulhosa dessa incomodidade, se, enfim, nunca se furtou ao risco tanto das suas dissonâncias como das suas coerências. Eis porque a obra de José Régio atravessou gerações e com elas competiu, sem deixar de, muitas vezes, as empolgar (visto que o desacordo não elimina, necessariamente, a admiração), e eis porque a vemos agigantar-se sobre um episódico purgatório a que nenhuma obra se pode e deve eximir.
Porque uma obra, por fim, se viva e fecundante, é tudo isso: o que nela o autor pôs e o que nela os outros foram incorporando: inquirições, respostas, encontros, desencontros – e paixão. Creio, daí, que uma obra pode esterilizar-se com a reverência orquestrada, pode mirrar-se com o silêncio, tão corrosivo como a solicitude, mas, nunca sai enfraquecida da contradita, mesmo se impiedosa.
Assim, a obra de Régio, que difìcilmente aceita a totalidade de uma concordância, ou de uma discordância, é viva e fecundante – e um dos cumes da nossa história literária contemporânea.
Fernando Namora, Sobre José Régio.
Obra colectiva In Memoriam de José Régio, Revisão e organização de J. Silva Couto.
Brasília Editora, Porto, 1970, pp.180-181.