«ordens de factores»
Maio 17, 2020
Duas ordens de factores condicionam acceleradamente a ruína das industrias tradicionaes que, entre nós, resistiram até hoje. Por um lado, a falta de educação artística, o influxo desastroso da modernice, a invasão do extrangeirismo; por outro, a perda de intima solidariedade, a indifferença corrosiva e dissolvente e o ingrato desrespeito por esses legados, que, promanando de ancestraes distantemente apagados e esquecidos, nos foram transmittidos, com inteireza fiel e piedosa, pelo laço indefinido das gerações, que nos precederam.
Perdem umas o caracter, e os seus productos redundam em aberrações cafreanas; morrem outras em resignada agonia pelo seu abandono e desuso, ou pela concorrencia do fabrico mechanico; certas, desapparecem pela substituição do exotismo congenere e ainda pela simultanea convergencia da indisciplina esthetica que as subalterniza.
Magôa e contrista a extincção e definhamento d'essas vetustas fontes de energia, credoras do nosso mais enternecido reconhecimento, porque nas manufacturas derivadas da sua transformação productora exhibia-se a expressão concreta das mais excellentes qualidades, que podem relevar e distinguir um povo: – originalidade inventiva, temperamento excepcional de assimilação, fina intuição de relativos principios de belleza.
Manoel Monteiro, Industrias Populares (Portuguezas).
ARTE & VIDA, REVISTA D'ARTE, CRITICA E SCIENCIA, N.º1.
Livraria Academica, Editora. Coimbra, Novembro 1904, p.10.