As descrições do homem moderno feitas no decurso dos últimos cinquenta anos dão-nos razões para nos assustarmos: o homem rompeu as pontes que o ligavam ao passado. Vivendo no momentâneo, abandona-se à situação e ao acaso. [...] Parece que o homem entrou no nada. É com desespero que do nada se apossa, ou então destruindo triunfantemente.
[...] A vida humana tornou-se uma vida de massa. Perde-se o individualismo, conforma-se o idivíduo com os diversos tipos que a propaganda, o cinema, o nivelamento da realidade quotidiana, lhe impõem. Sentindo-se perdido, procura reencontrar o sentido da sua dignidade no «nós», integrando-se numa qualquer e colossal potência.
[...]
Hoje temos a impressão de aperceber no homem o caos. Os instintos expandem-se livremente, sem entraves. Algo que apenas na aparência havia sido domado rasga de alto a baixo a cobertura de civilização adquirida no decurso da história. [...]
Mas, para lá do fluxo desta descida, o homem toma consciência daquilo que jamais pode ser completamente destruído: ser homem é tender para um incessante «ultrapassar», é não achar paz senão em algo que se busca, mas que não existe. Todavia, este perpétuo «ultrapassar» do homem gera também uma profunda inquietação que se pode transformar em revolta e em ódio, que pode descer ao nível de um universal desprezo, assumir a torturante forma do aborrecimento, ceder o lugar à angústia, transformar-se num desespero ávido de salvação. Sòmente na aparência a vida se extingue no esquecimento vazio, que só os impulsos vitais povoam.
Há também os silenciosos, os homens verdadeiros, não modelados pela época e de quem, se os não encontrássemos pessoalmente, tudo ignoraríamos. De qualquer modo que se descrevam os homens que hoje vivem, esses homens guardam a sua complexidade e não se deixam reduzir a um tipo único. Grandes massas há que vivem ainda como que adormecidas.
Eis assim esboçados alguns aspectos da humanidade moderna. Importa que encontremos agora neste caos o caminho de um humanismo futuro. Vamos tentar fazê-lo [...].
Karl Jaspers, Condições e Possibilidades de um Novo Humanismo.
Encontros Internacionais de Genebra Para um Novo Humanismo. Texto integral das conferências e dos debates. 1949.
Publicações Europa-América. Lisboa, 1964, pp.180-181.