«Nas falas dos bonecos»
Março 26, 2024
. . . cabe recordar as belas palavras de Almada que, no seu modo inconfundível, nos legou toda uma teoria síntese da linguagem – comunicação.
«É bem conhecida a facilidade com que os palhaços se fazem entender pelo público, e pena é que eles não saibam mais coisas para no-las dizerem daquela maneira tão agradável. Se eles soubessem tanto como os sábios, nós todos passaríamos a ser sábios, por termos aprendido com os palhaços. Mas, infelizmente, os sábios não sabem dizer o que sabem, e os palhaços sabem, mas não sabem nada.»
Sábio é o artista Almada Negreiros, que para o seu teatro trouxe uma expressão, não dos palhaços, mas bem contemporânea e igualmente simples, imediata, pura e quase infantil. Nas falas dos bonecos, do Pierrot e do Arlequim, da Sereia e do Marujo, de todos eles – nessas falas, marcadas pelo mais certo modernismo e pelo lirismo maior, vem ao de cima toda a inventiva admirável de um poeta, que usa linguagem ingénua, em resumo simbólico que Almada gosta de empregar.
No ano do cinquentenário do Orfeu, é-nos grata esta evocação do grande criador e renovador da Arte portuguesa. Porque Orfeu quer dizer Arte, e quer dizer renovação: e do grupo genial, este que aqui estudámos – é um dos seus grandes poetas, é o maior dos seus plásticos, é o único dramaturgo que como tal se realizou.
Duarte Ivo Cruz, Almada – Estética e Dramaturgia.
Espiral – Cadernos de Cultura, Direcção António Quadros.
Lisboa, Ano II, Número Duplo 6/7, Verão de 1965, pp.121-122.
Almada Negreiros, Pierrot e Arlequim.
Portugália Editora, Lisboa, 1924, pp.11-12.